O “Novo Jogo” não se joga no relvado, é jogado nas demonstrações financeiras.

Do controlo salarial à gestão de dívida, o novo regulamento transforma a robustez económica numa obrigação de sobrevivência. Uma mudança estrutural que ameaça especialmente os clubes médios e que redefine o sucesso: o futuro não será de quem mais gasta, mas de quem melhor se regula.

17 dez 2025 • 11:46
O “Novo Jogo” não se joga no relvado, é jogado nas demonstrações financeiras.

Há muito que se dizia que o futebol português precisava de um novo paradigma e o que poucos antecipavam era que esse paradigma chegaria não através de uma bola, mas através de regulamentos. O novo quadro de Financial Sustainability, o qual foi impulsionado pela UEFA e progressivamente absorvido pelas ligas nacionais, inaugura uma era em que a performance desportiva já não basta. Hoje, tão importante como pressionar alto ou jogar entre linhas é saber ler um balanço, antecipar cash-flows e gerir risco financeiro com precisão cirúrgica.

Se até aqui os clubes funcionavam como estruturas essencialmente operacionais, reagindo a necessidades imediatas e vivendo ao ritmo de janelas de transferências e ciclos de receita, o regulamento de sustentabilidade financeira obriga agora a uma transformação profunda na qual os clubes deixam de ser organizações que operam e passam a ser entidades que são reguladas. E a diferença não é semântica, é por sua vez, estrutural.

O novo regime introduz métricas exigentes, controlo continuado e uma responsabilização que até agora não existia no futebol português. O que antes era tolerado, desde tesourarias negativas, dependência excessiva de transferências, incumprimento pontual salarial, contratos desalinhados com a realidade financeira, passa a ser monitorizado, mensurável e sancionável. Entrámos na era da disciplina financeira obrigatória, em que a robustez económica não é apenas desejável mas sim uma condição de sobrevivência.

Mas onde este novo regulamento terá impacto mais imediato? Nos clubes médios, aqueles que não beneficiam do conforto estrutural dos grandes nem dispõem da margem financeira para absorver oscilações bruscas de receita. São estes clubes que mais dependem da volatilidade das transferências e que vivem num equilíbrio permanentemente frágil entre receitas operacionais, antecipações, factoring e compromissos salariais. Com a sustentabilidade financeira, qualquer desvio, qualquer atraso, qualquer falha de gestão deixa de ser apenas um problema interno e passa a ter consequências regulatórias diretas.

O controlo dos custos com pessoal, por exemplo, deixa de ser um indicador interno de boa gestão para se transformar num parâmetro regulado, comparado e auditado. Da mesma forma, a exigência de não acumular dívidas vencidas, salariais, fiscais ou a outras entidades, deixa de ser uma expectativa moral e passa a ser uma obrigação formal que condiciona inscrições, participação em competições e a própria credibilidade institucional. Os clubes que até aqui trabalhavam com almofadas financeiras reduzidas passam a ter de operar com rigor empresarial, porque o risco deixou de ser teórico e tornou-se regulatório.

A sustentabilidade financeira muda também a forma como se pensa a construção de plantéis. Já não basta procurar talento no mercado, é necessário perceber o impacto salarial acumulado, o peso de amortizações futuras, a capacidade de gerar retorno e a previsibilidade das receitas. Mais do que nunca, o futebol aproxima-se de um modelo económico onde cada decisão tem um impacto contabilístico monitorizado. Os clubes que não adaptarem esta lógica verão o seu espaço competitivo reduzido, não por incapacidade desportiva, mas por limitações regulatórias.

E se a tendência europeia aponta para mecanismos cada vez mais próximos de um salary cap regulado, Portugal deverá inevitavelmente convergir para modelos semelhantes, não necessariamente com tetos fixos, mas com rácios de sustentabilidade que funcionam, na prática, como restrições ao investimento desportivo. A pergunta deixa de ser “podemos contratar?” e passa a ser “podemos contratar sem comprometer a conformidade regulatória?”.

A partir daqui, emerge o verdadeiro ponto nevrálgico num futebol cada vez mais profissionalizado: os clubes que não integrarem o risco regulatório no seu planeamento serão os que mais sofrerão. O talento continuará a ser determinante dentro de campo, mas fora dele o sucesso dependerá da capacidade de gerir orçamento, cumprir indicadores e antecipar exigências. O futebol português entra assim numa nova fase em que o jogo se disputa em duas dimensões: a desportiva e a financeira. E, pela primeira vez, a financeira tornou-se tão decisiva como a outra.

O futuro não será dos clubes que mais gastam, mas dos que melhor se regulam. Porque o novo jogo não se joga no relvado, joga-se nas demonstrações financeiras.

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