Centralização: Romance épico ou novela de fim de tarde?
A lei mudou, mas o cenário continua velho. A centralização é o passo jurídico que faltava, mas o verdadeiro "jackpot" financeiro depende de uma revolução nas infraestruturas que transforme o nosso futebol de uma novela antiga num produto visual premium.
A centralização dos direitos televisivos em Portugal é daquelas mudanças que o futebol português sempre tratou como um capítulo adiado - um romance épico que nunca chegava à mesa de edição. Agora, por força da lei, chegámos finalmente ao momento da publicação. Os direitos audiovisuais passam a pertencer às competições e não aos clubes, aproximando-nos dos modelos europeus mais avançados e criando, em teoria, um mercado mais equilibrado, mais forte e mais competitivo. Do ponto de vista jurídico, é uma solução sólida e inevitável. Mas o problema é outro: a lei até pode escrever o enredo, mas é o produto televisivo que decide se estamos perante um romance sério ou apenas mais uma novela de fim de tarde.
A centralização, por si só, não gera valor. É só o esqueleto. O coração da história, o conteúdo que é vendável permanece frágil, previsível e tecnicamente limitado. Portugal tem bons jogadores, clubes históricos, rivalidades ricas e narrativas que dariam excelentes capítulos. Mas, quando chega a hora de transmitir o espetáculo, o resultado raramente passa do mediano. Câmeras mal colocadas, iluminação desigual, relvados sofríveis, bancadas vazias, grafismos assimétricos, horários anticompetitivos e estádios sem condições mínimas para um broadcast moderno criam uma estética que mais parece televisão de 2008 do que um produto premium de 2025. Nenhuma centralização do mundo compensa um espetáculo que, visualmente, não convence.
E é aqui que as comparações internacionais contam a história que preferimos não ler. A Premier League é a prova absoluta de que um produto televisivo uniforme, tecnicamente irrepreensível e comercialmente inteligente pode transformar uma liga num fenómeno planetário. A MLS, com o acordo global com a Apple, deu um salto qualitativo que já faz escola. Mas há também os exemplos que mostram o outro lado do espelho: a Turquia centralizou, mas não modernizou e viu o valor cair. A Bélgica avançou, melhorou, mas estagnou porque nunca atacou a fundo os problemas estruturais dos seus estádios. Portugal está perigosamente entre os dois mundos: dá um passo legal de gigante, mas mantém um produto operacional de bolso.
E tudo converge num ponto crítico: infraestruturas. Não há romance possível sem cenário. Não há produto televisivo premium sem estádios preparados para o ser. Não basta ter relvados decentes - é necessária iluminação certificada, plataformas fixas de câmara, zonas de broadcast funcionais, conectividade robusta, cabines técnicas profissionais, grafismos uniformizados e, sobretudo, uma experiência visual que faça quem vê em casa acreditar que está perante algo com valor real. Enquanto continuarmos com estádios que mal cumprem requisitos mínimos, estaremos a tentar escrever literatura séria num papel reciclado e com tinta a falhar.
E assim chegamos à pergunta que decide o género do nosso futuro televisivo: a centralização vai ser o jackpot dos clubes… ou continuamos condenados a mais uma novela interminável?
Se o país aproveitar esta oportunidade para modernizar estádios, profissionalizar transmissões, uniformizar grafismos, redefinir horários, capacitar equipas técnicas e trazer público às bancadas, então estaremos perante o maior salto financeiro da história do futebol português. Um verdadeiro romance - daqueles que mudam gerações. Mas, se a centralização ficar pelo texto da lei, se nada mudar no espetáculo, se os clubes continuarem a adiar a modernização estrutural, então a verdade é dura: tudo ficará igual. A diferença é que agora não haverá desculpa.
A lei abriu o livro. O valor só aparece se o produto estiver à altura. No futebol, ninguém paga pela promessa da centralização - pagar-se-á pela qualidade do que aparece no ecrã.
A centralização é a ferramenta, não a solução. Cabe-nos agora a todos, clubes, Liga e parceiros, garantir que não desperdiçamos a melhor oportunidade financeira da nossa história. Vamos a isso?